Sou de uma família muito pobre. Tenho nove irmãos, eu sou a quinta
filha. Meu pai trabalha numa fazenda e minha mãe faz algumas
quitandas para vender.
Quando
meu irmão mais novo foi atropelado por uma bicicleta e quebrou a
perna eu fiquei encantada com a medicina. É sério. Eu percebi que o
médico tem um grande poder nas mãos, o poder de curar, de salvar
vidas, então passei a ver esta profissão como um sinal de Jesus na
terra.
Desde
então passei a sonhar em
ser médica. Eu tinha quinze anos e estava
no primeiro ano do ensino médio. Quando disse para os meus pais,
eles franziram a testa, suspiraram fundo. Eu fiquei esperando uma
palavra, mas nenhum deles disse nada. Mas eu li na testa deles que
isso era impossível para mim. Então meu irmão mais velho tomou a
palavra.
–
Mariana onde você está com a cabeça? Com que dinheiro você vai
pagar um curso de medicina? Pode tirar este sonho da cabeça e
procurar um sonho à sua altura.
Eu
abaixei a cabeça. Não ousaria respondê-lo, eu disse pra mim mesma:
“Esse sonho está à minha altura e eu vou ser médica um dia.”
Eu acabei sussurrando isso sem querer. Meu irmão deu uma gargalhada.
–
Falou doutora Mariana. Daqui a uns anos passo no seu consultório.
Eu
me levantei, olhei para ele e pensei em como ele poderia pensar tão
pequeno. Será que eu não podia sonhar alto só por que eu era
pobre?
Fui
para o quarto que eu dividia com mais três irmãs e sentei na
beirada da cama. Estava com muita vontade de chorar, mas o choro não
me levaria a nada naquele momento. Fechei os olhos e fiz uma prece a
Deus:
“Senhor,
ouve esta minha oração por favor! Não vou pedir nada que seja
impossível, pois sei que sou inteligente e capaz, pois o senhor me
fez assim, então o que eu peço é o seguinte: Eu preciso de livros
para estudar, mas não tenho dinheiro para comprar, preciso de
internet para pesquisar, mas aqui em casa não temos acesso a essa
tecnologia, então, meu Pai amado, eu te suplico, me ajude a ter
acesso a estas fontes de estudo, pois eu quero muito fazer um curso
de medicina, e pobre como sou, preciso passar numa Universidade
Federal. Então, meu Deus, posso contar com o Senhor?”
Eu
pensei na oração que fiz e tornei a repeti-la várias vezes durante
aquele dia, acrescentando mais algum pedido, agradecendo pela ajuda,
pela fé, e assim fui suplicando a Deus durante aquela semana, e a
semana virou mês.
Mudei
minha rotina desde aquele dia. Eu chegava da escola à tarde, fazia
um lanche rápido, pegava meus cadernos e alguns livros que pegava
emprestado e ia para o quintal da casa para fugir um pouco do barulho
dos meus irmãos menores, e lá ficava horas e horas estudando. Toda
folga que eu tinha, enquanto não estava ajudando minha mãe na
cozinha, eu corria para os meus livros.
Minha
família começou a achar que eu estava ficando louca, mas eu estava
mesma. Louca para vencer esta barreira e me ingressar numa faculdade
federal de medicina. Eu pedia a Deus todos os dias para que eu
guardasse na memória aquilo que eu estudava, pedia que abrisse minha
mente para entender melhor as explicações dos professores e dos
livros.
Terminei
aquele ano com
notas excelentes e fui muito elogiada pelos professores e a diretora
da escola. Então eu disse a eles o meu sonho. O professor de
matemática abraçou a minha causa e conseguiu alguns livros para mim
e disse que quando eu quisesse acessar a internet poderia ir à casa
dele. Era só combinar o horário, e assim eu fiz. Mas não foi fácil
convencer os meus pais. Achavam que eu estava com desculpa para ir
para a cidade. Foi preciso a diretora ir até minha casa para
convencê-los. Achavam que eu estava namorando alguém. Eu lá tinha
tempo para olhar para homem, meu Deus! Estava mais interessada no meu
sonho do que em namorar, isso ficaria para depois. Minha prioridade
era passar no vestibular.
Fiz
o ENEM os três anos do ensino médio. No terceiro ano eu já tinha
conquistado a torcida dos meus familiares. Minha
mãe abriu mão da minha ajuda para ter mais tempo para estudar. E
meu irmão mais velho sempre aparecia com algum livro ou revista para
mim. Ele me entregava e dizia com aquele seu jeito rude: “olha aí
se tem alguma coisa que presta pra você”.
Por
incrível que pareça, o meu sonho acabou despertando na minha
família o desejo de lutar por dias melhores. Vivíamos em uma
procrastinação aterradora. Não podíamos sonhar com uma profissão
boa porque éramos pobres, os meus irmãos não podiam sonhar com um
bom emprego porque eram do campo. Vivíamos subjugados aos
preconceitos criados por nós mesmos. E quando perceberam as pequenas
mudanças que foram acontecendo porque eu estava correndo atrás do
meu sonho, os nossos horizontes começaram a se alargar.
No
dia saiu
o resultado do ENEM fomos todos para a casa do Jairo,
meu professor de matemática.
Ficamos todos espremidos diante do computador. A
minha nota apareceu na tela: 887.
Foi uma gritaria geral, me abraçaram, beijaram.
Festejamos
até tarde e depois voltamos para casa. Tinha grande possibilidade de
realizar o meu sonho.
Sim,
eu consegui. Estou matriculada no curso de medicina pela UFVJM –
Universidade Federal dos
Vales do Jequitinhonha e Mucuri.
Eu
agradeço muito a Deus por tudo o que fez por mim, e por todas as
pessoas que me ajudaram nesta trajetória, e que continuam ajudando.
Não sei o que seria da minha redação se não fosse a ajuda
incansável da minha professora Luzia; agradeço também à Marinete
minha grande mestra de história, à diretora Kátia que muito ajudou
financeiramente e também com aulas extras de biologia.
Ainda
falta muito, mas já me considero uma vencedora. O que está me
matando é ficar longe dos meus pais, dos meus irmãos, mas nas
férias, se Deus quiser, estarei em Capelinha, minha terra querida
para matar a saudade.
Diamantina,
06 de setembro de 2019
Mariana
de Assis Moreira.
Nossa! Parabéns! Fiquei muito emocionado... No Início pensei que era uma das suas ficções... Realmente querer é poder. Principalmente quando colocamos Deus em primeiro lugar e lutar pelo o que deseja. O sonho. Dê um abraço nesta pessoa por mim. Que seja feita a vontade de Deus sempre na vida dela... parabens, meu amigo Juarez!
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